
Por Fernanda de Gusmão Guimarães
RESUMO
O caso clinico em questão tem por objetivo identificar as repercussões subjetivas do narcisismo primário, demonstrando de que forma afetam o sujeito e permeiam a qualidade e condução das relações sociais estabelecidas. A paciente do estudo tinha 18 anos na época da realização das sessões, é natural do Pará e estrutura sua condição social com salário um pouco superior a 2 salários mínimos. Apresenta empobrecimento narcísico que a leva ao uso de mecanismo de defesa primitivos por não corresponder aos investimentos feitos por seus cuidadores. O documento traz um estudo de caso onde é possível demonstrar teoria e pratica de forma exploratória e dinâmica.
Palavras-chaves: narcisismo, relações objetais, mecanismos de defesa.
ABSTRACT
The clinical case in question aimsto identify the subjective repercussions of primary narcissism, demonstrating how they affect the subject and permeate the quality and conducto fest ablished social relations. The document is a case study where it ispossible to demonstrate the ory and practice in anexplorat or yand dynamic way.
Keywords: eating disorders, social networks, body image.
INTRODUÇÃO
A metodologia do estudo de caso se caracteriza por ser do tipo qualitativa e descritiva, onde é realizada a compreensão, interpretação e associação dos fatores identificados, além da atribuição de significado tendo; a partir dos dados coletados se tem um embasamento teórico de forma exploratória e não quantitativa por serem subjetivos e por se tratar de um estudo onde se conhece o sujeito do caso clinico a ser avaliado (RODRIGUES, 2007).
O caso clinico em foco de analise pertence a paciente jovem adulta Ala, que procurou os serviços de atendimento em função do conflito existente entre sua orientação sexual e os dogmas religioso impostos por sua religião e consequentemente pelos seus cuidadores; refere que, em seu lar tanto atualmente quanto no passado, em sua infância, sempre houve muitos conflitos, muitas vezes agressivos de forma física e verbal entre os seus pais e com ela
Descreve que os conflitos se tornaram maiores e mais expressivos a partir do momento em que a cliente demonstra em situações variadas que sua sexualidade não é a esperada pelos pais, fator este que causa sofrimento psíquico, sendo que no decorrer das análises realizadas, percebe-se um grande empobrecimento narcísico bem como suas sequelas sociais e físicas; no histórico não foram relatados uso de psicofármacos psiquiátricos ou demais diagnósticos.
O conceito de narcisismo em seus primórdios esteve ligado ao mito de Narciso que seria o amor que o indivíduo tem por si próprio, passado por reformulações e novos entendimentos sobre. Freud introduz o conceito entendendo-o como elemento constitutivo do desenvolvimento do ser humano, com importante papel na infância para além do conceito de amor próprio, mas da formação da autoestima, da autopreservação e a futura formação de laços sociais (ARÚJO 2010).
Os conflitos narcísicos são muito presentes nas sessões realizadas, com a paciente em questão nos dois lados da relação vivenciada com seus pais. Esses atritos têm ligação com o narcisismo primário, que diz respeito aos investimentos e idealizações que os pais fazem em seus bebes e na medida em que o indivíduo cresce, ele percebe que nem tudo gira ao seu redor como antes era percebido pela relação com os cuidadores. Ala em questão entra em uma busca incansável pela conquista do amor desse outro, mesmo que em muitos momentos tenha que aniquilar seu próprio Eu para tingir certas expectativas (FREUD, 1914/1974)
METOLOGIA
O presente estudo foi feito a partir dos serviços ofertados pelo Ambulatório de Especialidades Medicas e saúde mental do Centro Universitário Metropolitano da Amazônia, como estagio obrigatório II em ênfase clinica dos alunos de Psicologia do 9º e 10º semestres, sob a supervisão teórica e pratica do segundo autor deste estudo. A paciente em analise foi selecionada a partir de uma triagem preliminar e após revisão passou ao processo de psicoterapia semanal. Houve no total 14 sessões de 50 minutos no decurso dos semestres do ano letivo de 2022.
A análise dos processos subjetivos, será feita a partir da transcrição dos atendimento e associados aos pressupostos teóricos e metodológicos expressos pela psicanálise, de forma que se faça a interlocução entre teoria, como nos casos dos mecanismos de defesa e demais manifestações do inconsciente, e a forma como estes se manifestam de acordo com a realidade psíquica subjetiva da paciente em questão, além de passarem por discussão e supervisão do segundo autor por seguinte, realizando diagnóstico e conduta a partir do levantamento de problemas identificados,
A idade, a profissão, bem como alguns dados biográficos e certas características físicas que pudessem permitir o reconhecimento da real identidade da paciente, foram omitidos e/ou alterados neste relato para a preservação do anonimato da paciente, sendo solicitado a autorização por escrito para a transcrição e discussão dos atendimentos feitos pela primeira autora e ressaltado a proteção do sigilo da paciente; Nas citações diretas das transcrições de diálogos, o nome real da paciente foi substituído pela descritivo “ALA”.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nos conceitos da Psicanálise, as representações mentais são produções psíquicas geradas pelas percepções decorrentes das experiências vivenciadas pelo sujeito com o meio e suas relações, onde não são meras copias, mas construções conscientes que introjetam a subjetividade da realidade vivida (PERES; CAROPRESO; SIMANKE, 2015).
Durante os atendimentos realizados com Ala, é possível perceber em suas falas que a dinâmica de suas vivencias, produzem no campo emocional, representações pertinentes as questões relacionadas ao seu sofrimento psíquico, que no caso é a forma que a paciente utiliza para representar os afetos que vivencia, como na fala “não sei lidar com isso” SIC, onde “isso” é uma representação do que o afeto vivenciado significa.
Acerca desses afetos, muitas vezes se tornam exaustivos e explosivos como descreveu a paciente e nesse sentido é nítido a ação da catarse, que funciona como um movimento de evasão de afetos causadores de sofrimento (PONTALIS; LAPLANCHE 2001), como quando após falar sobre seus conflitos psíquicos a paciente “debruça” sobe o sofá pois conseguiu descarregar o sofrimento experimentado.
Ala apresenta como queixa a relação conflituosa com os pais em relação a sua orientação sexual, e percebe-se que este ataca seu narcisismo, ou seja, seu próprio eu, pois o movimento narcísico dos pais, que diz respeito ao que estes desejam que seja e enxergam como sendo a filha, ou seja ao seu Eu idealizado, é investido em uma imagem que vai contra ao Eu ideal de Ala (FREUD, 1914).
Na tentativa de se alcançar as expectativas dos pais há essa representante, pois é nela que está sendo investido o amor paterno, e se origina um conflito psíquico pela não-correspondência quanto a realidade intrapsíquica da paciente, já que no momento, a paciente tem um julgamento critico próprio, acerca de suas próprias convicções e valores, mas de algum modo inconsciente buscara ser o eu idealizado por seus cuidadores, onde é investido o amor deles pela filha (FREUD, 1914).
Em seus relatos, é perceptível o quão doloroso pra paciente é sua relação com os pais. Em sua fala, é usada a racionalização quando Ala refere que é “muito bom quando seus pais estão longe de casa” e se justifica após alguns minutos de introspecção, ao acrescentar que não é de todo mal estar com eles – mas, que quando longe, parecem uma família normal e acolhedora, por não serem hostis em relação à sua pessoa e sexualidade. Esse mecanismo ocorre, quando o indivíduo procura justificar, criar uma lógica perante os comportamentos, pensamentos e sentimentos que teve sobre algo ou alguém, quando os motivos que os resultaram não são percebidos pelo sujeito (PONTALIS; LAPLANCHE 2001)
Outro ponto importante sobre os conflitos psíquicos é sobre a intolerância do ego em relação a esse sofrimento que, por vezes, faz uso do recalque e tornado simbolicamente inconsciente, de forma total ou parcial, tornam as informações difíceis demais de serem digeridas ( ALMEIDA 2021). Ala relata que, durante um conflito com os pais em determinado momento, de certa forma perdeu a noção de espaço e de tempo, alem de não conseguir mais compreender o que lhe diziam alem de um comportamento autodestrutivo. Refere-se também à forte dor de cabeça e exaustão mental no termino da “conversa” com seus cuidadores.
As relações de Ala com a namorada e demais interações com ciclos sociais – no caso a forma com que se comporta em determinadas situações – são refrações baseadas na relação com a mãe e isso ocorre, pois, a paciente buscara no externo uma aprovação ou resolução de seus conflitos internos pela discrepância do investimento narcísico realizado em Ala por seus cuidadores e principalmente na figura materna.
Há uma quebra nesse padrão de repetição a partir do ponto em que Ala consegue redirecionar o afeto causador de angustia ao seu local de origem, no caso refere que durante um almoço, assume sua sexualidade para a mãe. Nesse momento, há uma quebra de expectativa em relação aos investimentos libidinaisl realizados pela mãe na paciente, onde ela impõe seu verdadeiro eu e expressa o que sente e pensa. Diz que até o momento esses afetos eram “jogados pra debaixo do tapete”, segundo a paciente, “e ali permaneciam” ate o ponto em que a paciente “explodia” pela acumulo de afetos não “digeridos” pelo sistema.
As situações que causam as explosões citadas anteriormente são resultados do acumulo de afeto que reverberam, ou copias da relação com as figuras primarias, logo quando a paciente consegue devolver o afeto para as figuras primarias que lhe causam sofrimento, todas as variações que se baseiam nesse modelo de relação passam a não copiarem mais esse mesmo comportamento de “engolir goela a baixo” (SIC), nesse sentido há por parte de Ala um reposicionamento das figuras extras também, como no caso da namorada
A paciente passa a comunicar e direcionar seus afetos, devolvendo a fonte as angustias depositadas, impondo limites as ações do outro se libertando dessa outra pessoa ao qual eram investidas as expectativas que resultavam as feridas narcísicas em Ala, desse forma, como citado, percebe-se de formas diferente: se reposiciona e não se deixa mais levar pelas expectativas de terceiros sobre si, como quando expressa o que sente ou pensa sobre determinada situação ou pessoa. Não se cala mais em virtude de corresponder ou prover o outro mas agora leva em conta o verdadeiro eu, ao perceber seu eu e os próprios limites e necessidades. (ARAUJO 2010)
Em outro momento Ala relata que após ter se assumido a todos de sua família, aconteceram muitas coisas e que o que mais lhe doeu foi o fato de que ao ir à igreja como de costume, não se sentiu “encaixada”. Ao ser questionada sobre esse sentimento, explicou que se sentia “estranha” pois agora “as pessoas a veem de verdade” – uma verdade que teoricamente não correspondia aos investimentos libidinais que a mãe fazia e que eram refratados pela paciente em seus espaços, com evidente perda de identidade.
A paciente apesar de sofrer pela expectativa dos pais em relação a sua idealização, ainda assim consegue lidar com a relação conflituosa existentes, pois segundo Klein (1935) ela reconhece a ambivalência dos objetos, ou seja, seus cuidadores, graças a capacidade de introjetá-los de maneira inteira, onde ao passo que gosta da mãe que prepara almoço no domingo, já não gosta quando essa mesma mãe faz uso de comentários homofóbicos, de modo que não precise recorrer ao mecanismo de cisão por exemplo, quando se cria uma espécie de divisão inexistente no objeto conflitivo, na tentativa de elaborar melhor a situação ou objeto presente (PONTALIS; LAPLANCHE 2001)
Outro ponto importante, que se interliga com a relação com os pais é a realidade psíquica, formulada nas relações objetais estabelecidas na infância, através das percepções que o indivíduo tem sobre os atos dos pais, onde padrões e conceitos se repetem ao longo da vida do sujeito, de forma que se espelham em demais relações, pois a criança internaliza os registros que fez sobre seus cuidadores no quesito do que se espera a partir das idealizações do Eu. (VIEIRA, 2003).
Na realidade psíquica da paciente e as formas que se desenvolveram as relações objetais com seus pais, se nota a repetição da representação na relação com a namorada onde LA demonstra incomodo na forma com a qual os pais de sua companheira tratam a mesma em questão de cuidados, pois para ela as formas de atuação de uma mãe e pai em prol do cuidado dos filhos foi registrado em sua realidade psíquica em sua infância de forma diferente das quais são demonstradas pelos cuidadores da namorada.
Todo individuo utiliza estratégias da mente que visa proteção de qualquer ameaça interna ou externa que possa prejudicar a integridade do Eu; algo que diz respeito aos mecanismos de defesa do ego. São atividades em maior parte inconscientes e estão presentes em todos os indivíduos, no entanto seu uso expressivo pode ser indicativo de sintomas psicóticos (VOLPI 2008). Nos relatos de Ala, é possível perceber a ação de alguns mecanismos de defesa e manifestações do inconsciente que a paciente faz uso em variados momentos.
Ato-Falho: é uma manifestação do inconsciente na qual é expressado por palavras o real desejo ou sentimento em relação a algo ou alguém, e quando ocorre, o indivíduo troca suas idéias. Ala demostra um ato falho no momento em que relata que odeia a pessoa que se refere e em seguida troca relatando que só está muito brava, trocando as expressões (PONTALIS; LAPLANCHE 2001)
Outra situação que se repete: o mecanismo ocorre quando Ala, ao descrever como se sente em relação aos comportamentos dos pais que se justificam por amar a filha, troca a palavra “Deus” por “amor” e complementa: “só fico tentando entender que Deus é esse, não quis dizer que amor é esse”
Sublimação: Ocorre quando a sujeito, substitui o real desejo por um comportamento mais aceito perante a sociedade, como em casos onde se tem a vontade de bater em alguém e essa pulsão é gastada com um soco na parede, é possível perceber o uso do mecanismo nos momentos em que a paciente está falando sobre alguém que estava lhe incomodando e como não consegue lidar com este afeto o direciona a um objeto presente na sala de atendimento, que no caso era a almofada a esmagando (VOLPI 2008).
Regressão: ação na qual o indivíduo retorna a uma fase anterior da vida ou comportamento mais simples, como forma de aliviar sensações ruins vivenciadas em fases anteriores de seu desenvolvimento. LA em suas falas relata que estava se sentindo mal, e na tentativa de sair desse estado, assistiu a um desenho animado na TV, pois era algo que fazia na infância e a fazia se sentir bem (VOLPI 2008).
Sobre a relação transferencial: capacidade da paciente expressar seus conflitos psíquicos através do estabelecimento do vínculo terapêutico. Percebe-se que a paciente apresenta certa dificuldade, na medida em que faz uso dos mecanismos de defesa e demais manifestações do inconsciente, e a contratransferência ocorre por parte da estagiária pela identificação nas próprias questões acerca dos relatos da cliente atendida em plantão. (FREUD 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a paciente em foco no estudo, possui um narcisismo empobrecido em função das relações prejudiciais com seus cuidadores, que muitas vezes configuram-se como eminente fonte de sofrimento pela maneira ambivalentes que se relacionam com a filha. Ainda assim, são, de certa forma, reconhecidos como acolhedores e em outros momentos a paciente percebe que eles usam o amor como justificativa para ameaças, ofensas e agressões físicas, além de serem narcísicos por não conseguirem ir além de seus idealismos refletidos em Ala (frutos de um narciso renascente). Os pais não percebem, segundo a paciente, a real existência da filha, fato este que desencadeia na paciente forte impulso de desistir e de ter ideações e comportamentos suicidas.
Portanto, conclui-se que Ala necessita de um maior tempo de acompanhamento psicoterápico para através dos embasamentos teóricos utilizados reverter o quadro, de modo que possa investir libidinalmente nas transferências com sua terapeuta através da validação e acolhimento de seus sofrimentos, além de necessário ser realizado encaminhamento ao serviço psiquiátrico e trabalho no laço parental, com o intuito de evitar possível agravamento das questões depressivas.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Maria das Graças. Considerações sobre o narcisismo. Estudos de Psicanálise, n. 34, p. 79-82, 2010..
DE ALMEIDA, Wilson Castello. Defesas do ego: leitura didática de seus mecanismos. Editora Ágora, 2021.
FREUD, Sigmund. (1914) Sobre o narcisismo: uma introdução. [1914]. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. V.14.
PERES, Rodrigo Sanches; CAROPRESO, Fátima; SIMANKE, Richard Theisen. A noção de representação em psicanálise: da metapsicologia à psicossomática. Psicologia Clínica, v. 27, n. 1, p. 161-174, 2015.
PONTALIS, Jean-Baptiste; LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da psicanálise. Santos: Martins, 2001
RODRIGUES, William Costa et al. Metodologia científica. Faetec/IST. Paracambi, p. 2-20, 2007.
KLEIN, Melanie. A contribution to the psychogenesis of manic-depressive states. International Journal of Psycho-Analysis, v. 16, p. 145-174, 1935.
VIEIRA, Marcus André. Da realidade ao real: Jacques Lacan e a realidade psíquica. Pulsional, v. 16, n. 174, p. 56-60, 2003.
VOLPI, José Henrique. Mecanismos de defesa. Artigo do curso de especialização em Psicologia Corporal. Curitiba: Centro Reichiano, 2008.
SOBRE A AUTORA:
Fernanda de Gusmão Guimarães, é psicóloga natural de belém/ PÁ, atualmente pós graduanda em Psicanálise na Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC).
Contato: fernandaguimaraes@outlook.com.br.
PARA CITAR ESTE ARTIGO:
GUIMARÃES, Fernanda de Gusmão. Narcisismo primário e suas repercussões subjetivas: estudo de caso. Capela de Santana: Psicanálise e Vida, n.2, Jan-jul,2023.
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