A Psicanálise é a abordagem do simbólico. Portanto, a utilização dessa linha epistemológica para o tratamento de traumas requer a compreensão dos conceitos de representação-coisa e representação-palavra.
O trauma é um evento que marca a vida do sujeito, rompe com suas capacidades executivas e promove alto nível de excitação, o que obriga o ego a defender-se através do recalque (FREUD, 1915).
Simbolicamente, todo sujeito possui uma representação íntima sobre os objetos que o cingem. A esse fenômeno, se dá o nome de "representação-coisa".
Já sob ponto de vista imagético, tudo aquilo que pode ser representado, seja através das ações ou das palavras, ganha novo sentido, o que é chamado de representação-palavra. Ambas as representações são desenvolvidas no âmbito inconsciente, onde atuam as pulsões desiderativas (ARNÃO, 2008).
Traumas geram pulsões que respondem aos dois âmbitos de representação. Tudo que permanece no nível de "representação-coisa" não pode ser representado, salvo por intermediários sintomáticos, sonhos ou comportamentos neuróticos que escapam o poder de censura. O processo terapêutico busca dar voz a essas experiências, para transformá-las em "representação-palavra", o que permite sua evocação, para melhor compreensão e ressignificação (ARNÃO, 2008).
Ao transformar o trauma em uma narrativa verbal, através da nomeação, o indivíduo começa a integrar essas vivências à sua história pessoal, de modo a reduzir sintomas e efeitos nocivos, o que leva a uma possível "cura" (FREUD, 1900).
Através da livre associação e da interpretação dos sonhos, o analista colabora para que o paciente expresse o que estava reprimido e promova maior compreensão de seus conflitos internos, o que facilita o processo de transmutação do simbólico para o imaginário, onde os elementos puramente etéreos do inconsciente ganham corpo e formas de manifestação.
A distinção entre “representação-coisa” e “representação-palavra” é central nesse processo, pois permite que o indivíduo transforme memórias não processadas e não verbalizadas em conteúdos acessíveis à consciência. Por meio da nomeação e da narração desses eventos traumáticos, o sujeito passa a integrar as experiências dolorosas ao seu repertório pessoal, reduzindo o poder que elas exercem sobre seu comportamento e seu bem-estar emocional.
O trabalho psicanalítico visa, assim, promover uma transmutação dos conteúdos reprimidos, que originalmente estavam restritos ao inconsciente, para o nível do imaginário, onde podem ser reapropriados. Através da livre associação e da interpretação dos sonhos, o analista facilita a expressão dos conflitos internos, permitindo que o paciente compreenda e reorganize suas pulsões e experiências. Esse processo de simbolização contribui para a elaboração dos traumas, tornando-os mais assimiláveis e menos disruptivos, o que, em última instância, facilita o desenvolvimento
BIBLIOGRAFIA
ARNÃO, Magdalena. Freud e a Teoria das Representações: Representação-coisa e Representação-palavra. 2008.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1900.
FREUD, Sigmund. Escritos sobre a Metapsicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1915.
PARA CITAR ESTE ARTIGO
Ramos, Lilian. A diferença entre representação-coisa e representação-palavra no contexto de trauma. Capela de Santana: Instituto Vida e Psicanálise, 2024.
SOBRE A AUTORA
Lilian Ramos é neurocientista e psicanalista. Contatos: 11 999492501 | ramoslilian@outlook.com.br
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