Maldição ou sintoma psicossomático?
- Newton Alfredo Siqueira Jr.
- 22 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de jun.

Newton Alfredo Siqueira Júnior
A sociedade atual valoriza de forma crescente conceitos como "autonomia" e "liberdade individual", mas pouco se questiona se as decisões humanas são totalmente conscientes ou regidas por forças psíquicas ocultas.
A psicanálise, desde Freud e Breuer (2020), aponta que muitos atos comportamentais — inclusive aqueles que provocam sofrimento — têm origem em desejos, afetos e engajamentos não elaborados conscientemente, operando de forma disfarçada, repetitiva e inconsciente.
Nesse sentido, este texto propõe uma reflexão: quem, afinal, está no comando da sua vida? Acredita-se compreender as próprias atitudes, reações e intenções; acredita-se ter controle. Mas será mesmo? Se essa pergunta provoca inquietação, é um bom sinal. É justamente aqui que começa nosso diálogo.
Exemplos cotidianos revelam esse dilema:
A pessoa afirma que não quer mais se relacionar com alguém parecido com um(a) ex-parceiro(a), mas escolhe alguém com temperamento semelhante.
Promete que não vai mais se sabotar, mas perde o horário do trabalho novamente.
Declara buscar paz, mas se envolve em mais um conflito.
Esses eventos recorrentes são frequentemente atribuídos a má-sorte, maldições ou punições do destino. No entanto, do ponto de vista psicanalítico, são sintomas psicológicos — repetições comportamentais externas (Act out) geradas por pensamentos neuróticos (Act in) que indicam a atuação de afetos e desejos inconscientes, disfarçados na forma de escolhas.
O inconsciente não se expressa de maneira elaborada ou evidente. Ele sussurra, repete, sabota, e se manifesta por meio de encenações — tudo em nome da homeostase psíquica, isto é, a preservação do conhecido e familiar, mesmo que isso implique em sofrimentos já cristalizados.
Os sintomas não se restringem à mente. O corpo sente e sofre junto: responde com maxilar travado, retração muscular, dores nas costas, intestino desregulado, alterações posturais, respiração curta e cansaço crônico (FREUD & BREUER, 2020).
Se o corpo fala, é porque precisa ser escutado. Ele expressa, por meio de sintomas, mensagens não verbalizadas — é o inconsciente operando com a linguagem que lhe resta. Cada tensão crônica é uma defesa psíquica cristalizada; cada dor persistente, cada lesão reincidente, pode carregar uma história não digerida.
Na Fisioterapia e na Educação Física, observa-se com frequência o impacto de sintomas psicossomáticos. Há pacientes que não apresentam melhora, mesmo após seguirem todos os protocolos fisiológicos. Nesses casos, a limitação não é apenas biomecânica: trata-se de um sintoma de ordem psíquica, ligado a afetos represados (ROZEIRA, 2025).
Exemplo clínico:
Um sujeito apresenta rigidez corporal que não melhora com alongamento ou exercícios físicos. Essa rigidez pode refletir não apenas tensões físicas, mas dificuldades simbólicas: falta de flexibilidade diante de novos paradigmas, resistência emocional, paralisias subjetivas ou baixa plasticidade nas relações sociais e afetivas.
A terapia psicanalítica promove a investigação desses desejos marginais — aqueles que o sujeito tenta evitar, negar ou combater. Tais desejos emergem de ideias fixas, conflitos afetivos, relações simbólicas totêmicas, traumas e defesas construídas a partir do desamparo e de palavras não expressadas ao longo da vida, especialmente na infância.
Nesse processo, o sujeito passa a diferenciar realidades psíquicas — marcadamente fantasiosas — da realidade objetiva. A análise ajuda a atenuar os sofrimentos causados por traumas, ambivalências e contradições internas. O setting analítico oferece um espaço de escuta onde necessidades antes recalcadas podem emergir, ser nomeadas e, enfim, simbolizadas.
A psicanálise não visa "consertar" o sujeito, mas devolvê-lo à sua autonomia. Seu propósito é oferecer condições para que ele retome o protagonismo sobre sua própria história. Trata-se de tornar conscientes os desejos censurados, as repetições que adoecem e os afetos que se inscrevem no corpo.
Esse percurso não é simples — mas é possível. A escuta analítica é uma forma ética de cuidado, que ajuda o sujeito a deixar de obedecer cegamente aos roteiros do inconsciente, e a tornar-se leitor de si mesmo. Entender os sintomas como mensagens — e não como maldições — é o primeiro passo para deixar de ser refém do passado e ocupar, com mais presença e verdade, o centro de sua existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BREUER, J. FREUD, S. Estudos sobre histeria. Rio de Janeiro: Cia das letras, 2020.
ROZEIRA, Carlos Henrique Barbosa et al. Feridas Visíveis e Invisíveis: Práticas de Cuidado para o Corpo e a Alma. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 7, n. 6, p. 64-89, 2025.
SOBRE O AUTOR
Newton Alfredo Siqueira Júnior é psicanalista clínico sob supervisão do Instituto Vida e Psicanálise, educador físico, professor, pesquisador das diferentes formas de manifestação psicossomática. Contato: contato.newtonsiqueira@gmail.com.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
JÚNIOR, Newton Alfredo Siqueira. Maldição ou sintoma psicossomático? Capela de Santana: Instituto Vida e Psicanálise, 2025. www.vidaepsicanalise.com.
Comments