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Ana Larsen

Popularização ou banalização da saúde mental?


O serviço de saúde mental no Brasil não é acessível para grande parte da população brasileira. Todavia, a demanda por serviços de bem estar mental, emocional e psíquico aumenta consideravelmente a cada ano. A grande questão é: os serviços oferecidos popularizam ou banalizam a necessária oferta de terapia no mercado atual?


De acordo com a pesquisa Panorama da Saúde Mental, apenas 5% dos brasileiros fazem terapia (1) e essa atividade está centrada entre pessoas com renda mais alta e maior escolaridade, grande parte do contingente formada por mulheres. O Instituto Cactus apontou que 80% dos homens nunca fizeram terapia (2). Apesar desse demonstrativo, uma pesquisa da SulAmérica, em parceria com o Instituto FSB Pesquisa, apontou que a saúde mental é a principal preocupação da população (3), no entanto, apenas 10% das pessoas ouvidas naquela enquete informaram que fazem terapia.


É possível que a saúde mental tenha se tornado um nicho “ comercial “ e a sua popularização esteja banalizada? Essa banalização tornaria a práticas pouco sérias, menos eficientes e mescladas a metodologias que envolvem fantasias e promessas de alcance de bem estar de forma fácil e rápida. Se considerar que o Brasil tem a maior proporção de pessoas ansiosas do mundo e é o segundo no ranking de depressão na América (4), esse tipo de banalização poderá tornar o quadro ainda mais delicado.


Com o advento das redes sociais, a sociedade se torna cada vez mais esmagada por urgências. Assim, aumentam as demandas por bem estar através de frases curtas e auto ajuda, através de terapias baseadas em referências místicas. Há ainda a espetacularização e rotulação de pessoas sem investigações clínicas mais aprofundadas.


Para a Psicóloga Valéria Barbieri, da USP, existe um lado positivo e negativo na popularização dos conceitos médicos e psicológicos: se por um lado, reforçam a necessidade do debate, por outro lado, esvazia seus significados:


- “A banalização dos transtornos mentais é uma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles. Ao mesmo tempo que o acesso à informação sobre o tema é positivo, corre-se o “risco de esvaziar o significado do diagnóstico dos transtornos” (5).


Para a psicóloga citada acima, a pior forma de banalização da saúde mental ainda reside no autodiagnóstico e nas falsas referências a cerca da saúde mental encontradas na Internet. Nesse sentido, torna-se imperativo discutir o superficialismo das redes sociais e as fakes news. As falsas amizades nas redes sociais e o consumismo tamponam a falta e causam saciedade momentânea e por isso serão apontados como substitutos para o acompanhamento terapêutico. É observada também a sedimentação de preconceitos em torno de diversos transtornos emocionais e psíquicos reforçados pela fuga da solidão. Nesse sentido, a presença nas redes sociais se tornam estratégia para estar bem diante do outro.


Em termos psicanalíticos, importa salientar que em analise, o sujeito escuta o que diz. E nesse processo, inicia-se um olhar sobre si e uma compreensão sobre a falta e suas particularidades. Nesse processo, o próprio paciente é capaz de observar suas vulnerabiliades e necessidades. Elas surgem a partir da fala e pontam para comportamentos, dores e alegrias originadas pelas pulsões inconscientes.


É fundamental que o acesso à Psicanálise e a diversos tratamentos voltados à saúde emocional e psíquica seja mais abrangente, mas é ainda mais fundamental que se trabalhe uma cultura de responsabilidade e bem estar coletivo. E esse processo começa na formação do psicanalista e na fomentação de uma ética dentro das associações e institutos que educam esse profissional.


O amor e a ética precisam caminhar conjuntamente, de modo a amparar o analisando na sua viagem ao inconsciente e em suas conclusões sobre si. A Psicanálise não é feita de jargões ou de conversas vazias - é uma terapia centrada no simbólico, que oportuniza associação de ideias e deslocamento dos desejos inconscientes. O papel do Psicanalista é de extrema responsabilidade no processo transferencial com o paciente, para elucidação sobre o desejo ocultado pelas necessidades práticas e sociais. Assim, torna-se uma espécie de “ vigia”, na floresta escura. Assim, manter a qualidade da saúde emocional reside na escuta responsável, na aplicação dos conhecimentos freudianos, no abalizamento dos regramentos éticos, além de certa cautela em relação ao meio onde emerge promessas falsas de cura e de bem estar.


ANA LARSEN é psicanalista associada ao Instituto Vida e Psicanálise.


PARA CITAR ESTE ARTIGO: LARSEN, Ana. Popularização ou banalização da saúde mental? Capela de Santana: Instituto Vida e Psicanálise, 15 de setembro de 2024.

REFERÊNCIAS:


(2) Citado em IESB Centro Universitário em 10/04/2024. http://jornalismo.iesb.br.

(3) Citado em Instituto de Psicologia USP em 23/12/21. https://www.ip.usp.br/site/noticia/.

(4) Citado em Catraca Livre, 05/08/2023. catracalivre.com.br

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