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O borderline na clínica psicanalítica




Leci Catarina Flores Nunes Capaverde*

lecicnv@hotmail.com.br

O transtorno de personalidade borderline é um dos transtornos de personalidade mais difundidos atualmente pela mídia e pela classe médica. É reconhecido por afetar mais mulheres do que homens, possuir caráter autodestrutivo e causar problemas sociais.

O primeiro teórico a utilizar o termo “borderline” foi o psicanalista alemão Adolf Stern, na obra “Terapia e Investigação Psicanalítica do Grupo das Neuroses Borderline”. O transtorno foi, posteriormente, descrito e conceitualizado pelo psiquiatra e psicanalista Austríaco Otto F. Kenrberg. A palavra “borderline” vem do inglês e significa “na fronteira”, fazendo uma alusão aos portadores da condição que vivem no limite entre a neurose (perturbação sensorial, motora, emocionais ou vegetativa de origem psíquica que conservam a referência à realidade) e a psicose (perda da noção da realidade)1. A característica “8 ou 80” representa bem a personalidade da pessoa com esse transtorno.

Os estudos ainda não identificaram uma causa específica. As origens desse transtorno ainda são pouco conhecidas, fatores psicológicos acerca do descompasso cerebral do neurotransmissor da serotonina ou uma predisposição genética, fatores ambientais, neurológicos, familiares e sociais, bem como um evento traumático vivido pela pessoa na infância ou adolescência, como abandono, orfandade, morte de entes queridos, abuso psicológico ou sexual, negligência, terror psicológico, separação dos pais, entre outros, podem desencadear o transtorno.

Os primeiros sintomas surgem na adolescência e podem ser confundidos com momentos de rebeldia comuns nessa fase do desenvolvimento, por isso é necessário ficar atento a situações como oscilação de humor, impulsividade e, sempre que houver suspeita, consultar um psicólogo ou um psiquiatra para diagnosticar e iniciar o tratamento. O sintoma de oscilação de humor varia muitas vezes no mesmo dia, diferente do que ocorre no transtorno de personalidade bipolar, no qual a variação de humor é mais espaçada.

Nos relacionamentos amorosos, o borderline possui um perfil muito intenso. O medo do abandono os tornam possessivos, incompreensíveis, teimosos, ciumentos, descontrolados e insatisfeitos. Quando esses comportamentos disfuncionais acontecem mais frequentemente, eles produzem um padrão existencial que dificulta a adaptação dessas pessoas ao ambiente social. A vida com elas dificilmente será tranquila. Cometem excessos em tudo que fazem, dizem, sentem e pensam. Além disso, vivem sempre à beira de uma hemorragia emocional, pois, para elas, controlar as emoções é muito difícil, porque suas emoções estão sempre à flor da pele, entre episódios de fúria, descontrole, irritação, pânico, agressividade, automutilação ou até mesmo comportamentos suicidas. Os borders podem deprimir-se muito rapidamente diante de uma frustração, principalmente quando se tratar de rejeição afetiva. Seus temperamentos podem oscilar muito rapidamente entre a euforia e a tristeza. Eles vivem sempre a mil por hora e também apresentam sintomas de ansiedade, dificuldade de concentração, pois são hiperativos emocionais e afetivos. Podem ser confundidos com psicopatas por causa de atitudes agressivas, cruéis e destrutivas. Isso tudo pode gerar muito sofrimento e perdas materiais para as pessoas que lhes são íntimas. Porém, esses comportamentos escondem quem vive o tempo todo no desespero afetivo, diante do medo do abandono e da rejeição. Essas pessoas lidam muito mal com qualquer tipo de adversidade. Alguns estudiosos dizem que viver com o transtorno de personalidade borderline é como estar numa montanha russa, sempre à beira de um colapso nervoso. Se não forem tratados, os borderlines podem ser um risco tanto para si quanto para aqueles que o cercam.

O tratamento pode ser feito com a ajuda de equipe multidisciplinar liderado por um profissional psiquiatra. O psicanalista poderá compor este grupo e tentará se associar a parte neurótica do sujeito para tratá-lo, além de dispor de meios para que o paciente entre em contato com seus atos e assuma a responsabilidade por eles. Por se tratar de um transtorno que não relaciona os actings com as pulsões originais, a análise tradicional psicanalítica precisará ser modificada e o psicanalista deverá superar a busca por revelações do inconsciente a partir das interpretações para utilizar-se da transferência projetada pelo analisando e, através dela, aplicar o conhecimento psicanalítico em uma espécie de psicoeducação. Além da orientação psicanalítica, o tratamento pode ser feito com medicamentos ministrados por um médico, baseados em estabilizadores de humor, antidepressivos e antipsicóticos. Os antidepressivos são usados para reduzir a sensação de vazio; os antipsicóticos para diminuir os comportamentos impulsivos, auto destrutivos e dissociativos; os estabilizadores de humor, para reduzir a oscilação emocional.

De acordo com a classificação de Theodor Milton, psicólogo estadunidense, existem quatro tipos de transtornos borderlines: Os desencorajados, que se isolam; Os petulantes, que apresentam comportamento passivo-agressivo; Os impulsivos que são sombrios e irritáveis quando deixados de lado e os autodestrutivos, que apresentam comportamentos depressivos, masoquista e autopunitivos.

É muito triste saber que o transtorno de personalidade borderline não tem cura, mas o tratamento pode melhorar a qualidade de vida do indivíduo e suas relações pessoais e sociais. A boa notícia é que os sintomas podem melhorar com o passar do tempo. Estudiosos dizem que por volta dos quarenta anos de idade, os sintomas começam a diminuir, ao passo que o sujeito também aprende a lidar com os próprios sintomas.


* Leci Catarina Flores Nunes Capaverde é professora e psicanalista, ex-secretária de saúde do Município de Capela de Santana - RS.


Para citar este artigo: CAPAVERDE, Leci Catarina Flores Nunes. O borderline na clínica psicanalítica. Capela de Santana: Revista Vida e Psicanálise, volume 2, ano 2, fevereiro de 2023.


1 Nota do editor: o conceito de borderline está em ebulição na academia e sua clínica é fonte de discussão. Enquanto grande parte dos especialistas assume que o transtorno está na fronteira das clínicas neuróticas e psicóticas como defende a autora neste artigo, há autores que defendem que o transtorno de personalidade borderline se configura em uma triangulação de traços engessados de caráter neurótico, psicótico e perverso, como defende Marine F. Cicco no ensaio "Muito corpo, poucas palavras: a clínica dos casos limítes", São Paulo: Sá Editora, 2020.


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