Winderson Nunes: a luta pela vida
- João Pedro Roriz
- 22 de mai. de 2022
- 5 min de leitura
Por João Pedro Roriz ..................................
Psicanalista. Whats'app (21) 998885570
COLABORARAM:
Ana Catarina Carvalho Libarino Rocha
Psicanalista em supervisão.
Maria Juraci Marques Filha
Psicanalista em supervisão.

Crédito da imagem: Romulo Gonçalves
Quem não conhece o youtuber Winderson Nunes? O comediante ficou conhecido nas redes sociais por lançar paródias bem humoradas de canções populares e por encenar uma crônica semanal bastante atraente para o público juvenil e adolescente. Winderson sempre mostrou seu lado mais vulnerável nos vídeos, ao narrar situações de pobreza que enfrentou na infância e a dura caminhada rumo ao estrelato.
Após o sucesso com os vídeos, protagonizou filmes e assinou contratos milionários de publicidade. O público acompanhou com o passar dos tempos as transformações físicas do comediante. Torneou músculos e fortaleceu o abdome. Deixou os cabelos crescerem. Viajou o mundo. Contraditoriamente, seu crescimento profissional veio acompanhado de evidente deterioração de sua condição psíquica.
Ao mesmo tempo que mostrava aparente felicidade por viver grandes sonhos de consumo e por descobrir-se amado por milhões de seguidores em todo o País, denotava forte sentimento melancólico e desejo de reparação - não a toa, se solidarizou com inúmeras campanhas sociais e fez generosas doações a pessoas necessitadas e instituições sociais.
Sua vida sempre foi um livro aberto. Não deixou de transmitir seus medos e angústias ao longo de sua trajetória como comediante. Assim, o humor abriu espaço para o olhar crítico e para outros temas que permeavam suas necessidades físicas, psíquicas e emocionais. Tudo ficou mais difícil para o artista quando o filho João Miguel faleceu após parto prematuro.
O evento trágico se transformou em verdadeiro canal por onde foi possível o descarregar de diferentes pulsões dolorosas. O artista que acreditara um dia ser possível ser feliz com riqueza e fama agora se dava conta de que todo o sacrifício de uma vida não poderia salvá-lo da realidade e de suas próprias impressões sobre a vida. A tristeza e o medo ainda faziam parte de sua existência e teriam que ser finalmente analisada e tratada - e não mais sublimada.
Antes, porém, era necessário punir o corpo - inscrever na própria carne, tal lápide da alma, o epitáfio de antigos tormentos e paixões. Assim, o rosto nacionalmente conhecido se tornou outdoor de suas angústias. Ali, onde todos poderiam ver e assimilar, estavam as verdades que ele gostaria de internalizar na alma: a frase "viva como um guerreiro", que associa a vida a espécie de guerra, onde apenas os fortes sobrevivem.
Para as psicanalistas em supervisão Ana Catarina Carvalho Libarino Rocha e Maria Juraci Marques Filha, ambas membros do Grupo Vida, Whindersson passa a vida a procura de preencher um vazio existencial, realizando toda forma de desafio que a vida lhe apresente.
- "Quando não o faz, ele próprio vai buscar, sem medo da dor ou do sofrimento físico que isso possa lhe proporcionar", afirma Libarino Rocha.
- "O comediante abraça seus projetos com uma coragem de um guerreiro imortal e ao mesmo tempo ironiza a própria dor Existe uma necessidade de testar seus limites, como se buscasse provar a si mesmo, o quanto aguenta o sofrimento, o quanto resiste as pancadas da vida", lembra Marques Filha.
Após a trágica perda, o comediante buscou terapia e orientação médica. Afastou-se momentaneamente das redes sociais de modo que pudesse analisar a própria vida e entender o que aconteceu. O distanciamento das redes e a introspecção certamente ajudaram o artista a se ajustar a nova realidade, de modo que pudesse lidar melhor com os eventos mais recentes.
Um artista que alcançou rápida ascensão pode ser traído pela ideia de que todas as conquistas acontecem de forma célere, quando, de fato, a realidade é diametralmente oposta: o tempo não se responsabiliza por edificações que não ajudou a construir. Um lago pode levar muito tempo para formar uma camada espessa de gelo capaz de suportar o peso de um patinador. Quando o gelo do lago é fino - ou seja, quando não há base de sustentação, - o patinador precisa apostar na rapidez para não quebrar a camada superficial de gelo e cair na água. Winderson Nunes era esse patinador, célere, assertivo, velocista sob pressão, assustado com a possibilidade de afundar em águas profundas e geladas. Quando o corpo não aguentou mais correr e exigiu um espaço de respiro após as difíceis circunstâncias vividas, o artista entendeu que era preciso finalmente parar, analisar o ambiente, constituir nova base para um novo fluir, dessa vez mais tranquilo e seguro.
O mundo da Internet pode ser muito volátil. As informações mudam na velocidade da luz, assim como o interesse das pessoas. Nesse mundo líquido, os artistas que ficam parados por algum tempo, costumam lidar com o medo real do ostracismo, do esquecimento, do banimento e do cancelamento. Winderson enfrentou essa Hidra de Lerna - monstro mitológico de sete cabeças - com coragem. Acreditou no próprio talento e na capacidade que o tornaram famoso anos atrás quando era apenas um jovem piauiense desconhecido e pobre.
Para se lançar de volta à sociedade do espetáculo (tão analisada por Guy Debord), preparou-se para um palco diferente, sob luzes ainda por ele desconhecidas. Anunciou que faria uma luta de boxe contra o campeão mundial Acelino "Popó" Freitas. Como qualquer luta, havia riscos. O boxe não pode ser lutado de forma muito amistosa, ou certamente perderá a graça, afinal, nesse esporte, ganha pontos aquele que acerta socos no rosto e no tronco do oponente. A situação causou estranhamento e frisson entre os fãs e não-fãs de Winderson. Muitos questionaram sua sanidade mental, sem perceber que esse era seu maior movimento de sublimação (e de expiação) até o momento. Ao lutar contra Popó, o comediante tirava a atenção de cima de sua tragédia pessoal. Ao mesmo tempo, a luta serviria para provar para si mesmo que não há desafio que não possa ser enfrentado. Para Libarino Rocha e Marques Filha, haveria nessa intifada também certo grau de realização sádico-masoquista, de modo que o artista imprime na realidade a verdade psíquica que possui de que a vida é uma eterna batalha que deve ser vencida ou superada:
- "É como se quisesse provar e desafiar a própria morte, mostrando que ri e debocha dela e que ela não o assusta", comenta Libarino Rocha.
- Whindersson realiza tudo com muito planejamento, dedicação, foco, disciplina e determinação. Ainda no ringue ,após terminar a luta e com o rosto sangrando faz desafio a novo lutador. E ao perguntar por que ele subiria ao ringue, simplesmente responde: 'Por que não?' É como se viver ou morrer tivesse o mesmo peso e valor.
A vida pode até ser uma batalha para Winderson Nunes. Mas é também carregada de grandes lições. A justiça foi feita: após a luta contra o campeão mundial, o comediante não foi visto como derrotado pelos juízes. Mesmo com socos e quedas ao longo da luta, todos que buscam novos desafios serão lembrados como vencedores. E foi isso que aconteceu. Os juízes da luta consideraram ambos os lutadores vencedores. Popó e Winderson possuem trajetórias parecidas e precisam ser considerados vencedores na vida. A luta deu empate e cada lutador dessa metáfora espetaculosa criada para entreter e sublimar, ganhou 6 milhões de reais pelo evento. Foi o caminho encontrado por eles para se manter vivos no mundo do consumo, da fama, do entretenimento, da sublimação, da expiação das dores de sua gente e das construções de arquétipos sociais que naturalmente se constituem na grande mídia como espelho para gerações de novos Pópós e Windersons - guerreiros, filhos do nordeste, que nadam nas enchentes desses tempos líquidos cheios de sonhos e de talentos, medos e angústias.
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COMO CITAR ESTE ARTIGO
Roriz, João Pedro de Sá et al. Winderson Nunes: a luta pela vida. Capela de Santana: Revista Eletrônica Vida em Psicanálise, mai e jun 2022.
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