top of page

O ouro preto e histórico do Brasil


Rebeca de Andrade é saudada por suas rivais americanas no pódio


A REALIDADE DO NEGRO NO BRASIL E A IMPORTÃNCIA DO OURO DA MULHER PRETA BRASILEIRA NAS OLIMPÍADAS DE 2024

Por Instituto Vida e Psicanálise


As Olimpíadas de Paris 2024 marcaram um momento histórico para o esporte brasileiro e, sobretudo, para as mulheres pretas. As conquistas de Beatriz Souza, no judô, e Rebeca Andrade, na ginástica artística, colocaram em evidência o talento, a força e a determinação das mulheres negras que enfrentam uma realidade marcada por racismo e opressão. Estas vitórias, mais do que meros resultados esportivos, refletem uma jornada de luta, resiliência e superação de barreiras sociais que afetam cotidianamente a população preta no Brasil.


Rebeca Andrade, ao lado das ginastas americanas Simone Biles e Jordan Chiles, formou um pódio dominado por mulheres pretas, algo inimaginável em décadas passadas, quando o esporte, especialmente a ginástica, era reservado quase que exclusivamente às mulheres brancas. Este feito transcende o mundo do esporte e revela o poder transformador de oportunidades oferecidas a essas atletas, que frequentemente emergem de classes sociais vulneráveis e de contextos de exclusão. No Brasil, a população negra ainda enfrenta desafios sistêmicos e históricos, como o acesso restrito a educação de qualidade, saúde, segurança e, como demonstrado no esporte, ao financiamento adequado para o desenvolvimento de talentos.


A Psicologia Social e as Vitórias Olímpicas: O Papel da Representatividade e da Oportunidade


Essas conquistas, além do êxito individual de cada atleta, são uma afirmação da capacidade do povo preto brasileiro de se destacar quando lhe são dadas condições justas de competição. A psicologia social oferece ferramentas importantes para analisar o impacto dessas vitórias. A Teoria da Identidade Social, proposta por Henri Tajfel, ajuda a entender como a representatividade de figuras públicas, como Rebeca e Beatriz, reforça a autoestima de grupos historicamente marginalizados, de modo a promover um sentimento de pertencimento e orgulho coletivo entre pessoas negras.


Ellen Scherrer, mentora da página Feminismo Negro no Esporte e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta o aspecto social do desenvolvimento do esporte no Brasil:


"Se pensarmos nas atletas negras que conquistaram medalhas, como Rebeca e Bia, são duas mulheres negras que vieram de projetos sociais. O Brasil ainda é muito carente de políticas públicas e financiamento no esporte".


Assim, quando uma mulher preta conquista o ouro olímpico, não é apenas um feito esportivo, mas um símbolo de que o sucesso é possível mesmo em uma sociedade que continuamente nega oportunidades a esse grupo. Como ressalta Julia Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, essas vitórias também são uma forma de resistência:


"Elas (as atletas) desafiam a narrativa racista de que o povo negro é menos capaz, mostrando que, quando há investimento e oportunidade, o talento se sobressai. Esse investimento, contudo, é historicamente insuficiente".


Importa salientar que a maior parte dos atletas negros brasileiros que brilham nas Olimpíadas teve acesso a projetos sociais, como o Bolsa Atleta, criado em 2004. Mesmo assim, esse apoio financeiro ainda está longe de ser o ideal, refletindo o descaso com políticas públicas voltadas para as populações mais vulneráveis.


Saúde Mental no Alto Desempenho: Superando as Barreiras Invisíveis


A psicologia do esporte também emerge como fator crucial na análise desses feitos. Simone Biles, a ginasta americana que se tornou símbolo da importância da saúde mental, reabriu um debate essencial: o ambiente de alta performance é extremamente desafiador para o emocional dos atletas, especialmente para aqueles que, além das demandas físicas e técnicas, enfrentam o peso de expectativas raciais e de gênero. No Brasil, atletas negros convivem com a pressão de provar constantemente seu valor, em um cenário onde o racismo ainda é estrutural.


A psicóloga Ana Volpe, especialista em psicanálise, aponta que a saúde mental de atletas, particularmente os oriundos de minorias, deve ser tratada com seriedade. O racismo cotidiano, a falta de oportunidades e o ambiente altamente competitivo podem ser gatilhos para ansiedade, depressão e outras condições psicológicas. A trajetória de Rebeca Andrade é exemplo disso: sua força não se restringe ao físico, mas inclui uma saúde mental robusta, essencial para lidar com as tensões de uma carreira internacional de sucesso.


A resiliência dessas atletas também pode ser compreendida pela teoria do "locus de controle" de Julian Rotter. Atletas como Rebeca e Beatriz, que superam adversidades históricas e pessoais, geralmente têm um forte locus de controle interno, acreditando que suas ações são determinantes para o sucesso. Entretanto, a psicologia também nos lembra da importância de apoiar essa crença com recursos e suporte psicológico contínuo, algo que Simone Biles mostrou ao se retirar de competições de Tóquio em 2020 para cuidar de sua saúde mental.


As Mulheres Pretas e o Brasil: Uma Realidade de Lutas Diárias


A realidade da mulher preta no Brasil, no entanto, não se transforma apenas com medalhas. Diariamente, meninas e mulheres negras enfrentam a violência, o racismo e a exclusão. Como destaca o terceiro texto, a opressão racial e de gênero no Brasil é uma constante: 62% das mulheres negras adultas são vítimas de feminicídio, e meninas pretas sofrem violência sexual a cada oito minutos. As conquistas de Rebeca e Beatriz são, portanto, exceções dentro de uma estrutura social que falha em oferecer condições de dignidade para a maioria das mulheres negras.


Entender a jornada dessas atletas é, em última instância, refletir sobre como a sociedade brasileira trata seu povo preto. Desde a falta de investimento em políticas públicas até a brutalidade policial nas favelas, o Brasil ainda caminha a passos lentos em direção à justiça racial. O pódio olímpico de 2024 é uma celebração da força e do talento das mulheres negras, mas também um lembrete de que essas vitórias só se tornam possíveis quando o racismo estrutural é confrontado e superado.


Em suma, a análise das conquistas das mulheres pretas brasileiras nas Olimpíadas de Paris 2024 nos leva a um entendimento mais profundo da realidade social e racial do país. A psicologia social nos ajuda a perceber que essas vitórias não são isoladas; elas fazem parte de uma luta maior pela representatividade, igualdade e justiça, uma luta que precisa ser abraçada em todos os setores da sociedade. Para que outras Rebecas e Beatrizes possam brilhar, é necessário continuar investindo não apenas em programas esportivos, mas também em políticas que combatam a desigualdade racial e promovam a saúde mental e o bem-estar de todos.

Comments


bottom of page