Por Lílian Gonzaga

O ser humano evolui num padrão de possibilidades, de acordo com suas necessidades, de forma prática, dando atenção à necessidade. Logicamente, a primeira necessidade, na pré-história, seria a sobrevivência somente, o que torna as necessidades de hoje bem diferentes, considerando os costumes atuais. Por milênios, sentimos emoções e processos mentais ligados aos instintos de sobrevivência, e estas reações estão presentes em nossas escolhas e impressas em nosso modo de vida. Impulsos ligados aos nossos desejos, a busca por competição, agressão, compaixão, desejo sexual, conhecimento, religiosidade, altruísmo ou mesmo uma certa necessidade de algo mais, devem ser estudados a partir da pesquisa sobre nossos antigos ancestrais que viviam nas savanas africanas há mais de 1600 anos! Os humanos possuem um mecanismo adaptativo, por exemplo, de competição e cooperação e estas forças são objeto de estudo de muitos autores para explicar suas origens.
O comportamento humano tem explicações complexas. Estudar os diferentes fatores como instintos racionais e emocionais é altamente intrigante e interessante e aqueles que o fizeram a partir das suposições dos primórdios da convivência primata na vida na savana conseguem as explicações para comportamentos tidos como naturais e normais nos dias atuais. Aqueles primeiros homens viviam no meio de riscos como o de serem devorados por vários predadores, conviver com insetos diferentes, venenosos ou não e até frutos venenosos.
"Temos o hábito de classificar as pessoas como amigos ou inimigas, confiáveis ou ameaçadoras, atraentes ou desinteressantes, e isto muito rapidamente, num primeiro olhar, sem observar todos os fatores que se deveria incluir neste processo".
Hoje, o corpo humano possui as mesmas necessidades: comer, beber, se aquecer e dormir. As fases da vida são as mesmas (infância, puberdade e envelhecimento). Nos organizamos em divisões de trabalho entre sexos e convivemos com a morte da mesma forma. Porém, a esperança de vida longa era baixíssima e a mortalidade infantil, um evento comum. Havia competição por recursos como vegetação, abrigo e caça, o que nos leva a conclusão de que haviam guerras dentro da espécie. Temos o hábito de classificar as pessoas como amigos ou inimigas, confiáveis ou ameaçadoras, atraentes ou desinteressantes, e isto muito rapidamente, num primeiro olhar, sem observar todos os fatores que se deveria incluir neste processo. Tudo graças á necessidade que tinham nossos ancestrais de reconhecer ameaças ou capacidade de reprodução, dependendo da situação, para tomar a decisão adequada com relação ao outro. Mais um importante legado da ancestralidade é a capacidade para aprender a linguagem, uma predisposição que requer atenção cognitiva e afetiva para realizar a tarefa de comunicar, tão primordial desde aquela vida hoje considerada selvagem. Importante ressaltar que o aprendizado da linguagem é uma interação natural primária, pois antes das palavras já se praticava imitações faciais e gestuais e contatos emocionais. Neste sentido, a linguagem com palavras surge como uma salvação, uma nova era que veio pra ficar. Estudiosos apontam que o sistema nervoso, formado pelo encéfalo, a medula espinhal e os nervos do corpo, é essencial pois, é graças a este sistema que pensamos, sentimos e nos movemos. Eles afirmam que esta concepção vem desde a pré-história. Nos dias atuais, com os avanços na área da neurociência, da psicologia, da comunicação, entre outros, é bem possível se compreender melhor a mente humana e sim, prever comportamentos possíveis. Quanto mais conhecemos sobre nosso passado evolutivo, melhor entendemos nosso cérebro e nosso comportamento.
Freud já apontava que seu modelo de ciências era naturalista, ou seja, ele só acreditava num modelo das ciências, o naturalismo. Podem-se encontrar, ao longo da obra do autor, afirmações de que a psicanálise encontrava um fundamento dentro de questões culturais. Neste contexto, Freud traz a tona temas da antropologia como, por exemplo, a satisfação, de onde começa a decorrer sobre desejo como uma necessidade orgânica, presente no ser humano independente de fatores externos, modernos ou pré-históricos. Portanto, o estudo do funcionamento do cérebro humano possibilita o hakeamento deste ao ponto de, através de pesquisas, se examinar quais são as reações dos indivíduos diante de cores, que podem ser utilizadas em produtos na publicidade, a subjetividade de reações nas relações românticas, como antecipar a resposta de um olhar, ou um sorriso. Nós só estamos aqui, afinal, por causa de nossos antepassados que sabiam que corriam risco todo o tempo e estavam sempre fugindo de perigos. Nosso cérebro possui camadas mais externas, que controlam funções como pensamento e linguagem, e mais internas, onde se controlam as ações mais primitivas como o medo. Estas camadas são chamadas de Sistemas 1 e 2. Ao caminhar pela rua pensando e planejando suas férias, você não deixa de observar os perigos imediatos, como um buraco no chão. O sistema 1 é rápido, instintivo e emotivo (incluem-se aí as intuições); Já o sistema2 é mais lento, racional e consciente. A mídia se utiliza destes conhecimentos o tempo todo, usa o medo, imagens atrativas ou assustadoras. Já a moda utiliza o não pertencimento a um grupo, assim como academias de ginástica etc. A terapia também utiliza técnicas para lidar com angústias, dores, medos e ansiedades. Na psicanálise, muito do tratamento depende da relação entre terapeuta e paciente. Para que uma análise seja eficiente é preciso entender a causa do problema em cada pessoa. Uma pessoa pode dormir se tomar remédios para tal, porém, isso não adianta se ela não entender o que tira o seu sono. A grande maioria das pessoas já viveu traumas na vida, que podem ser variados como a perda de alguém, um desastre, abuso ou violência. Revivemos a cena em pesadelos ou sonhos ou em situações que servem de gatilho para tal lembrança, que muitas vezes acontecem no inconsciente. Muitos conseguem se curar total ou parcialmente com terapia. Mas algumas pessoas podem nunca se recuperar. De qualquer forma, a terapia vai ajudar a lidar com estes gatilhos, evitando que a emoção negativa reapareça frequentemente.
Finalmente, a psicanálise é uma das formas de desvendar o cérebro humano, descobrindo as raízes de problemas traumáticos, através de técnicas de estudo do inconsciente. Mas existem outras formas de estimular ou, hackear, numa linguagem mais moderna, este que é o órgão mais importante do sistema nervoso e que controla todo o resto do corpo. Ele é o responsável pela capacidade humana de pensar, sendo considerado o mais sofisticado dos órgãos do nosso corpo.
Cuidar do cérebro é, portanto, cuidar da mente e, por conseguinte, cuidar de todo o resto do corpo já que se pode afirmar que a máxima ‘mente sã, corpo são’ é verdadeira uma vez que a psicossomatização (quando o corpo reage aos estímulos da mente, apresentando sintomas como doenças)é, atualmente consenso entre médicos, psicanalistas e psicólogos, pois já se entende que corpo e mente estão interligados e que emoções e comportamentos são produtos dos contextos de nossas vidas.
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COMO CITAR ESTE ARTIGO
GONZAGA, Lilian. É possível hackear o cérebro humano? Capela de Santana: Revista Eletrônica Vida e Psicanálise. Mai e jun, 2022.
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